sábado, maio 27, 2006

O Futuro da Europa

Este conto publicado no Letras com Garfos descreve o nosso presente e avisa-nos que o futuro
não nos vai trazer grandes alegrias:

O assunto não era de somenos importância. Era urgente uma firme tomada de posição para salvar a Europa e a humanidade; para isso juntaram-se o Biólogo-chefe, o Sociólogo-chefe, o Economista-chefe, Psicólogo-chefe e o Político-chefe. O povo, anónimo, foi convidado a fazer-se representar, com direito a opinião não vinculativa.O momento era dramático quando o Biólogo-chefe declarou solenemente que “muita gente morre quando consome bactérias provenientes de queijo de fraca qualidade”. A Conferência Sobre o Futuro da Europa estava ao rubro. Cerimonioso, o Sociólogo-chefe assentiu: “ É verdade! O que está acontecer com a existência dos queijos fracos no mercado, é que o equilíbrio demográfico está em perigo, assim como a economia europeia e global, e o bem-estar das massas populacionais!”. “Forças irracionais e reaccionárias, pertencentes ao passado, estão a causar grandes perdas na infra-estrutura da prosperidade europeia”, fez notar o Economista-chefe. “E são uma ameaça à paz global!”, acrescentou o Político-chefe.Entretanto, na mesa dos Chefes, levantou-se uma incógnita figura que tinha estado em silêncio até então, e disse: “Existem demasiados tipos de queijo neste mundo;” – afirmou com uma voz profunda, denotando extremo conhecimento da matéria em questão – “ a produção desses queijos não obedece a um paradigma universal de monitorização e de controlo de qualidade; a sua venda cria disparidades no mercado do queijo europeu, e a rivalidade entre os produtores contribui para a pobreza, para o sistema de classes, para a violência doméstica, para as guerras e para o facto da minha mulher ter celulite! Somente um governo europeu poderá resolver estes problemas de uma só penada.”
Entre um alcovitar sussurrado que percorria os representantes do povo circunscritos a uma pequena galeria, havia já, aqui e além, quem clamasse por justiça. Se a verdade liberta, há que libertar a verdade! Era preciso que a verdade proveniente daquelas mentes brilhantes que nos chefiavam fosse levada até às últimas consequências; era preciso salvar a Europa e a humanidade.Mas um entre os do povo, o mais idoso, levantou-se e dirigindo-se para a mesa dos chefes, disse: “Eu gosto do Queijo de Cabra Transmontano. Todas as noites mastigo uma sanduíche de Queijo de Cabra Transmontano com uma chávena de chá antes de dormir. O Queijo de Cabra Transmontano não pode estar entre os queijos que nos prejudicam. ” O Biólogo-chefe saltou da cadeira, ao ouvir tal declaração; “O Queijo de Cabra Transmontano não se distingue por nenhum benefício e pode ser considerado um queijo ofensivo!” – berrou o Biólogo-chefe. Em sua ajuda veio logo o Sociólogo-chefe, justificando: “O Queijo de Cabra Transmontano tem um cheiro pestilento semelhante a carne podre; um grupo especial de comedores de Queijo de Cabra Transmontano tem tramado e sobrecarregado a humanidade desde tempos imemoriais: chegou o momento histórico em que o Estado Europeu deverá intervir para o bem comum”. “Comer Queijo de Cabra Transmontano é uma patologia”, anuiu o Psicólogo-chefe; “Para além de manifesta sociopatia!”, concluiu o Cientista Político.Nesta altura, tremendo na voz, o idoso homem do povo disse: “Os clichés que V.Exas aqui manifestam e defendem são a prova de que o evolucionistas sócio-científicos não evoluíram de espécies mais primitivas. Foram criados!”. Acto contínuo, o idoso foi expulso da sala sob o olhar e comentários de desprezo por parte da elite científica; e um a um, os representantes do povo foram abandonando o local da Conferência.Numa remota aldeia de Trás-os-Montes, escondida entre as montanhas entre o Marão e o Rio Douro, a família do idoso do povo teimava em produzir artesanalmente o famigerado Queijo de Cabra Transmontano, herança geracional e cultural daquela família; tratava-se de um queijo nutritivo, que continha determinados enzimas que contribuíam para a redução dos efeitos do reumatismo, da artrite e das diabetes. Sendo ilegal a sua produção, a Polícia Europeia prendeu o pai da família, enviou a mãe para trabalhos forçados numa fábrica de Queijo Europeu, e os filhos colocados em Casas de Correcção.
Dez anos depois, sob égide do Leviatão Europeu, todas as pessoas na Europa tinham o queijo de que precisavam para comer, que nem era duro nem semi-líquido: a sua consistência era como a da manteiga, embora um pouco mais espessa, homogeneizado, com sabor artificial acrescentado e perfeitamente seguro. Era o único queijo disponível na Europa, mas extremamente abundante no mercado e a preços baixos. E o povo vivia feliz com o seu Queijo Europeu.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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4:31 da manhã  

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