A Revolução necessária
Ou vamos ter a coragem de apresentar ao país a revolução que o país espera e precisa?
Antes do mais, antes de o fazermos (e se formos capazes de o fazer…) teremos que reformular, de raiz, a maioria dos nossos conceitos de política estratificados no Estado Providência desde há quase duzentos anos. Teremos que ser pluralistas não apenas para a conquista do poder, mas também na sua usança. Aceitaremos que se não há Estado sem política — há política sem Estado e que este, como fenómeno, aparece na história do mundo há relativamente pouco tempo, é um estado, uma situação, um momento de política e não (como se diz) um facto social inamovível no tempo, única organização política da Nação, passível e viável. Havemos de ser autenticamente revolucionários. Não recear a criação de estados dentro do Estado, dos contrapoderes naturais e necessários à diminuição e delimitação do poder central.
Há que arrostar, neste caso, com o imobilismo preguiçoso dos políticos que se limitam a ter como teoria do Direito e do Estado, formas da sua organização e da sua actuação; e não vão ao fundo do problema, à contestação do próprio Estado como único poder, como único dispensador de todos os bens morais e materiais, como única fonte do direito e de legitimidade, como único representante de soberania. Uma teoria pluralista — dizia um dos maiores pensadores políticos do nosso tempo — ou é a teoria de um Estado a realizar a sua unidade pela federação dos grupos sociais ou não é senão uma teoria da desintegração ou da refutação do Estado. Limitada à simples liberdade pluralista de expressão é uma contradição em termos, um não ser em si, uma praxe semeada de contradições, a ruína a curto prazo, o golpe de estado previsível — a ineficiência do dogmatismo tenente do poder.
Não é isso evidentemente, o que pretende o país — nem o que desejam os povos. O que, a partir de 1820, liquidou os vários regimes democráticos nossos senhores, foi a própria ambiguidade. Mais ou menos todos, todos partindo do revolucionarismo abstracto de Mouzinho da Silveira, se têm limitado a agir dentro do Estado, dum único tipo de poder. Precisamos de ir mais além, ultrapassando as formas ideológicas de organização e actuação do Estado, que são só formas — para atacarmos a própria substância da crise que limita e intranquiliza toda a contemporaneidade política. Em termos rigorosos e concretos: precisamos de ser revolucionários, recusando toda a praxe que, conservadoramente, queira apenas conservar o Estado — Estado comunista, ou social-democrata, ou fascista, ou corporativo, ou plutocrático, de intervenção no que é privado, e familístico, e personalista e pela própria natureza pluralista.
Porque não foram capazes de transcender o Estado, os primeiros teorizadores do pluralismo, Harold Laski e G. D. H. Cole, acabaram revirados para o marxismo. Sentiram, em substância, que o Estado, fascista, social-democrático ou corporativo não se alterava na essência por ter este ou aquele qualificativo formal; e que, não se alterando seria levado até às suas últimas consequências lógicas no absurdo comunista. O mesmo se irá passar com os que não estiveram aptos a ultrapassar a dicotomia esquerda-direita, comunismo-capitalismo, meros invólucros de um estado que é sempre o mesmo.
Destruído o Portugal antigo, tábua rasa de tudo o que nos sustentou durante mais de quinhentos anos — vamos recomeçar de novo as formas sediças que vimos a usar desde há muito mais de três séculos. Não seremos capazes, por uma vez, de fazer uma revolução portuguesa, analisando a nossa especificidade e encontrando nela os fundamentos da nossa vida?
Este é o desafio supremo que a tragédia nacional nos lança. Seremos homens para pegar na luva? Se não formos — pereceremos.
Manuel Maria Múrias
Antes do mais, antes de o fazermos (e se formos capazes de o fazer…) teremos que reformular, de raiz, a maioria dos nossos conceitos de política estratificados no Estado Providência desde há quase duzentos anos. Teremos que ser pluralistas não apenas para a conquista do poder, mas também na sua usança. Aceitaremos que se não há Estado sem política — há política sem Estado e que este, como fenómeno, aparece na história do mundo há relativamente pouco tempo, é um estado, uma situação, um momento de política e não (como se diz) um facto social inamovível no tempo, única organização política da Nação, passível e viável. Havemos de ser autenticamente revolucionários. Não recear a criação de estados dentro do Estado, dos contrapoderes naturais e necessários à diminuição e delimitação do poder central.
Há que arrostar, neste caso, com o imobilismo preguiçoso dos políticos que se limitam a ter como teoria do Direito e do Estado, formas da sua organização e da sua actuação; e não vão ao fundo do problema, à contestação do próprio Estado como único poder, como único dispensador de todos os bens morais e materiais, como única fonte do direito e de legitimidade, como único representante de soberania. Uma teoria pluralista — dizia um dos maiores pensadores políticos do nosso tempo — ou é a teoria de um Estado a realizar a sua unidade pela federação dos grupos sociais ou não é senão uma teoria da desintegração ou da refutação do Estado. Limitada à simples liberdade pluralista de expressão é uma contradição em termos, um não ser em si, uma praxe semeada de contradições, a ruína a curto prazo, o golpe de estado previsível — a ineficiência do dogmatismo tenente do poder.
Não é isso evidentemente, o que pretende o país — nem o que desejam os povos. O que, a partir de 1820, liquidou os vários regimes democráticos nossos senhores, foi a própria ambiguidade. Mais ou menos todos, todos partindo do revolucionarismo abstracto de Mouzinho da Silveira, se têm limitado a agir dentro do Estado, dum único tipo de poder. Precisamos de ir mais além, ultrapassando as formas ideológicas de organização e actuação do Estado, que são só formas — para atacarmos a própria substância da crise que limita e intranquiliza toda a contemporaneidade política. Em termos rigorosos e concretos: precisamos de ser revolucionários, recusando toda a praxe que, conservadoramente, queira apenas conservar o Estado — Estado comunista, ou social-democrata, ou fascista, ou corporativo, ou plutocrático, de intervenção no que é privado, e familístico, e personalista e pela própria natureza pluralista.
Porque não foram capazes de transcender o Estado, os primeiros teorizadores do pluralismo, Harold Laski e G. D. H. Cole, acabaram revirados para o marxismo. Sentiram, em substância, que o Estado, fascista, social-democrático ou corporativo não se alterava na essência por ter este ou aquele qualificativo formal; e que, não se alterando seria levado até às suas últimas consequências lógicas no absurdo comunista. O mesmo se irá passar com os que não estiveram aptos a ultrapassar a dicotomia esquerda-direita, comunismo-capitalismo, meros invólucros de um estado que é sempre o mesmo.
Destruído o Portugal antigo, tábua rasa de tudo o que nos sustentou durante mais de quinhentos anos — vamos recomeçar de novo as formas sediças que vimos a usar desde há muito mais de três séculos. Não seremos capazes, por uma vez, de fazer uma revolução portuguesa, analisando a nossa especificidade e encontrando nela os fundamentos da nossa vida?
Este é o desafio supremo que a tragédia nacional nos lança. Seremos homens para pegar na luva? Se não formos — pereceremos.
Manuel Maria Múrias
1 Comments:
A próxima não pode ser com cravos.
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