terça-feira, março 06, 2007

Memórias

Comecei a trabalhar na «A Rua» com os meu dezasseis ou dezassete anos, às terças e quintas da parte da tarde, com a tarefa de organizar o arquivo. A redacção tinha muita gente, Antonio Maria Zorro era o chefe de redacção e eu gostava do movimento do jornal.

À medida que as dificuldades financeiras do jornal se agravavam o rodopio abrandava . Muitos redactores passaram-se para O Diabo O meu part-time foi-se alargando ate se transformar em full-time. Valter Ventura entrou para a chefia da redacção e um novo fôlego parecia ter nascido.

Uma vez por semana apareciam para uma reunião as grandes figuras do jornal: Domingos Mascarenhas, António Lopes Ribeiro, Amândio César , Jasmins Pereira … era um prazer estar ao pé de gente com tamanha envergadura.

O meu pai na sua enorme secretária rectangular totalmente atafulhada de papeis estava nas suas sete quintas com aqueles senhores, a felicidade saltava-lhe dos olhos.

Nos outros dias da semana a ansiedade e as aflições tomavam conta do Sr Director. A tipografia tinha que ser paga a pronto: 300 contos por semana. Os telefonemas multiplicavam-se, os leitores mais abonados ajudavam conforme podiam e queriam, falava com este industrial, com aquele financeiro e os cheque iam chegando. A publicidade reduzia-se à Casa da Sorte e ao Casino Estoril. Leitores de todo o mundo enviam pequenas quantias acompanhadas sempre de longos testamentos muito simpáticos.


O jornal às tantas reduzia-se a cinco pessoas. Valter e o meu pai redigiam quase o todo o semanário.

Não valia a pena. As pessoas, mesmo da direita tinham que ganhar a vida, arranjar empregos, tratar da família. O perigo comunista estava afastado, as herdades devolvidas, as indemnizações pagas.

Já não era preciso o Múrias.

Estava aí a CEE, o nosso futuro iria ser radioso com carros, frigoríficos e carimbos nos passaportes.

Portugal? É uma marca. Ninguém luta por uma marca, nunca ninguém morrerá por uma garrafa de Coca Cola ou por uma lamina Gillete.

Como marca que é, desvalorizada com está estamos sujeitos a uma OPA hostil e silenciosa. Os cavalos de Tróia já cá estão.