O único meio de vencer a opressão
No princípio era a opressão. Falam do tempo antes da opressão, mas ninguém se lembra dele. Na vida antiga dominava a injustiça, abusos, sofrimento, angústia. Olhando para trás não vemos senão isso. Depois aconteceu o progresso, democracia, segurança social, direitos, liberdades. Mas não eliminaram a opressão. Olhando à volta também só a vemos a ela.Toda a gente se queixa. Os pobres sofrem a pobreza e sentem-se roubados, os ricos temem a pobreza e também se sentem roubados. As mulheres são discriminadas por serem mulheres, os consumidores ao comprarem, os trabalhadores quando trabalham e as empresas sempre. Os que vivem na ditadura choram, os que vivem em democracia gritam, e todos se sentem oprimidos. Os doentes gemem e os saudáveis criticam o sistema de saúde. Os de-sempregados afligem-se e os empregados também. Graças ao progresso conseguimos demonstrar que os nossos avós estavam errados. Eles sonhavam com um tempo sem fome, pobreza, abandono, infelicidade. Nós vivemos uma época ainda melhor que o seu sonho, com meios mais que suficientes para resolver todos os dramas. Mas continuamos a ter pobreza e fome e aumentámos o abandono e infelicidade, o crime e o suicídio. Hoje ainda é a opressão. Isso não quer dizer que o progresso e a liberdade não tenham sido excelentes. Ninguém nega as melhorias e quem quer voltar atrás ignora a terrível miséria antiga. O bem--estar é uma realidade, mas o desenvolvimento e a democracia estão longe de solucionar a opressão.Primeiro, porque a abundância aumentou a desigualdade. Alguns vivem na opulência como sempre, e a esmagadora maioria vive no conforto como nunca. Mas, apesar da democracia e segurança social, para lá dos direitos e liberdades, permanecem as margens da sociedade, vergonhosamente privadas do essencial. Afinal leis, partidos, sindicatos e despesas públicas não chegam para acabar com a opressão. Reduzem-na, mas não a eliminam.Depois, a prosperidade e a liberdade aumentaram a ambição. Hoje é opressão não ver a telenovela ou perder o subsídio. Agora considera-se pobreza estar privado da Internet ou do rastreio de doenças profissionais. Assim, vivendo melhor do que podiam imaginar os antigos, sentimo-nos mais triste que eles. Descobriu-se que a opressão é relativa: ter menos que os próximos, mesmo na abundância, é indigência.Finalmente, aumentou o risco. Quem anseia pela convergência económica ou por uma vida realizadora, assusta-se quando o crescimento abranda.A outra forma de libertação, para além do progresso, é a revolução. Uns iluminados sabem atalhos que nos libertam, se desmantelarmos o que existe e começarmos de novo. O esforço criou as maiores euforias e catástrofes da Humanidade. Em geral ficou-se só pelo desmantelamento. Se se constrói algo de novo, regressa a velha opressão. Assim, no princípio era a opressão e hoje continua a ser. Permanece o sonho de um dia viver aqui sem ela, mas esse sonho é cada vez mais utópico. Se tudo o que fizemos, se o muito que conseguimos, não nos libertaram da opressão, como ainda acreditar que o que nos prometem terá sucesso?A opressão permanece e, com ela, a necessidade de saber viver na opressão. Após os séculos em que acreditámos no sonho de erradicar a opressão, esquecemos aquilo que os nossos avós sabiam bem. Hoje temos de reaprender a sobreviver com a angústia. Não devemos desistir do progresso ou de apostar na democracia, nem podemos conformar-nos com a injustiça. Mas, lutando sempre contra o mal, temos de viver sob a opressão, que nos acompanhará sempre. Como aos nossos avós.Os antigos diziam que a única forma de viver sob opressão é a sabedoria e a honra. A honra impede de participar na opressão e a sabedoria ensina a suportar a opressão. Nós, confiados na abundância, substituímos a sabedoria pelo capricho e a honra pelo pra- zer. O capricho tornou-se sufocante, o prazer revelou-se opressivo, e a opressão permaneceu.Mas é difícil, sob a opressão, manter a sabedoria e a honra. Os antigos só o conseguiam na certeza de um Juiz Supremo, que condenaria a injustiça e recompensaria a honra. Por muito que nos incomode, só se consegue suportar e vencer a opressão se tivermos fé que no fim não será a opressão. Se Deus não existe, os maus ganharam. "Se a morte terminasse na inconsciência, seria uma boa sorte para todos os malvados" (S. Justino I Apologia, 18). A nossa geração tem progresso e democracia, mas perdeu a Fé. E aprofundou a opressão.
João César das Neves naohaalmocosgratis@fcee.ucp.
João César das Neves naohaalmocosgratis@fcee.ucp.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home