quinta-feira, abril 27, 2006

O Futuro

Tudo o que a gente escreve fica.Quando escrevemos exaltados fica a exaltação, quando escrevemos furiosos fica a fúria, quando escrevemos apaixonados fica a paixão, quando escrevemos amorosos fica o amor, quando escrevemos ansiosos fica a ansia, quando escrevemos preocupados fica a preocupação...

O Mendo Ramires quer que eu faça um site sobre o meu pai.Eu, como o meu pai, recuso-me viver agarrado a cadáveres. Escrever sobre o pai, não é escrever sobre o jornalista Manuel Maria Múrias, é escrever sobre o meu pai, quem me fez, quem me educou, quem me viu crescer e quem me amou.

Entre as coisas de que o meu pai tem fama é de ter sido preso e condenado por ter escrito que o Mario Soares é mentiroso, relapso e contumaz. Foi condenado a 14 meses de cadeia, saiu aos 7 por bom comportamento. É verdade que ele foi condenado por ter escrito , só que não escreveu , foi outro que escreveu, e ele foi condenado por ter escrito. Foi um segredo bem guardado que eu só soube, atraves de um tio meu, depois da morte dele.
Isto demonstra o bem o seu caracter. Estar preso não é facil, estar preso pelo que os outros fizeram é muito mais dificil. Não quer dizer que ele não concordasse, mas há uma diferença entre concordar e escrever.No entanto aceitou, sem uma critica ao sistema judicial.

O meu pai não era um saudosista, um homem que vivesse no passado.Era o oposto: vivia no futuro, era essa a sua preocupação : Portugal no futuro.

Era um homem do antigo regime mas não concordava com o regime politico. Era um salazarista mas só até Salazar morrer. Era tão salazarista como era afonsohenriquista, infantehenriquista, ou outro grande personagem da nossa história.Era antes de mais nada um homem livre-não pedia licença para pensar...

A unica coisa que o preocupava era Portugal, se para defender Portugal Salazar era o melhor ele era Salazarista. Mas podia ter sido «Spinolista» (embora tenha escrito um livro contra o Portugal e o Futuro em que demonstrava a imbecilidade do projecto do Spinola)«eu ainda tenho esperanças no Spinola», reuniu-se mesmo com ele em S João do Estoril( Spinola Presidente da Republica), podia ter sido «Eanista» apoiou o Eanes à Presidente da Republica,podia ter sido «Franconogueirista», tentou tudo para o convencer a candidatar-se à Presidencia, podia ter sido «Cavaquista» «disse o mesmo que o Salazar quando entrou no governo»- dizia ele excitado a passear pela sala.

Mas não foi, não foi porque os homens o desiludiram. O que eu peço às pessoas que o admiram, é que sigam o seu exemplo : vivam no futuro, acreditem no futuro, deixem-se de queixumes, Portugal está vivo e nós também, o futuro é hoje, é daqui a cinco minutos, é amanhã.

O que seria de Portugal se em 1640 aqueles homens vivessem a remoer o passado em vez de pensar no futuro?Eu tenho 4 filhas e é nelas que tenho que pensar. Se o rumo não for alterado vamos ter bisnetos chineses

O mundo alterou-se, é preciso viver e pensar neste mundo. Portugal para sobreviver precisa de um projecto nacional, um projecto que nos mobilize a todos :esquerda e direita, que mobilize os Portugueses.

É sobre esse projecto que devemos pensar. É esse projecto que temos que inventar. É essa a nossa responsabilidade histórica.

Sobre o antigo regime e o nosso presente (de hoje) o meu pai deixou este artigo profético escrito em 1979:

Passam na próxima segunda-feira cinquenta e três anos sobre o Movimento Militar do 28 de Maio. À voz de Gomes da Costa, herói de África, o Exército levantou-se em Braga, avançou sobre Lisboa — e suspendeu o regime da democracia partidocrática que, ao longo de um século, conduzira Portugal à última das misérias. Quarenta e oito anos depois, uns centos de capitães, tomaram conta das emissoras de rádio e televisão lisboetas, disseram por elas que tinha sido restaurada aquela mesma democracia partidocrática — e, em pouco menos dum lustro, fizeram-nos regressar ao ponto zero de 1926, à miséria, à corrupção, à desordem institucional que nos envergonhara durante cem anos.Durante os seus dois primeiros anos de vigência, governando em ditadura, os revoltosos do 28 de Maio, sem atentarem contra o que de estrutural fundamentava o velho Estado democrático, limitaram-se a manter a ordem nas ruas e a pregar um ou outro prego. Chegando Salazar ao Ministério das Finanças em 1928, logo nesse ano se equilibrou a Conta Geral do Estado e se iniciou um processo de recuperação económica e financeira do país que bem sustentado politicamente redundou em 1933 numa Constituição que, pretendendo ser corporativa, manteve intocáveis a maioria dos defeitos estruturais da constitucionalidade anterior: o Estado Novo viveu, a partir daí, do génio pessoal de Salazar, pouca gente duvidava que, morrendo Salazar, o regime se afundaria no caos, afundando Portugal com ele.Temos já perspectiva histórica para bem podermos avaliar o que foram estes nossos últimos cento e cinquenta anos de vida nacional com tantas constituições, tantos regimes, tantas personalidades e tantos erros. Como se andássemos pendurados nos alcatruzes duma nora, temos tido sempre sempre a tendência de regressarmos ao ponto zero, repetindo sistematicamente os erros do passado e recomeçando tudo de novo. O que é fundamental e essencial na organização política do poder tem-se mantido inalterável durante este século e meio. O Estado todo poderoso continua inamovível e inalterável; todos os seus malefícios centralizador, concentracionários e burocráticos têm sido multiplicados de tal jeito que, lentamente, afogaram quase todas as forças vivas da Nação.
O que definiu o Estado Novo foi o génio de Salazar. Para além dele, a tendência estatizante que vinha a impor-se desde a Revolução de Setembro, foi dominando tudo, estrafegando irremissivelmente a criatividade natural dos povos, a sua independência autêntica e — até! — o seu patriotismo.Como se fora um lema a frase — Portugal é Lisboa, o resto é paisagem — foi aplicada ferozmente pelos burocratas do Terreiro do Paço e de S. Bento: é em Lisboa que se decide todo o importante para a vida da província; como se fora um monstro teratológico a bela cidade de mármore e de granito, cabeça dum império, sorveu durante séculos o melhor dos recursos morais e materiais da Nação.Sobre este aspecto o Estado Novo limitou a acentuar desmedidamente os erros do passado. O primeiro governo de Salazar não chegava a ter dez membros; o último ultrapassava largamente os vinte. Chegámos ao 25 de Abril com um ministério constituído por mais de trinta pessoas. Vivemos hoje miseravelmente com mais de cinquenta ministros, secretários e subsecretários de Estado, directores-gerais às grosas e muitos milhares de funcionários públicos. O Estado é aquele monstro que profetizava Hobbes continuando como continuamos a agigantar o seu aparelho corremos dentro de muito poucos anos o risco iminente de virmos a ser, todos, seus empregados. Dum momento para o outro, empurrando-se outra vez a porta aberta do Quartel do Carmo, tomando conta das emissoras e calando o governo, podemos estar diante duns novos senhores que, substituindo estes, continuem a obra de agigantamento do poder, transformando Portugal inteiro numa imensa repartição pública.Salazar foi um estadista de génio. Era um homem de bem. O seu Estado foi eficaz e foi — como ele dizia — uma pessoa de bem porque Salazar foi eficaz e honrado. E o seu Estado desmesuradamente alargado o que subsiste da imensa obra. Todavia, destruído, desordenado e corrupto, atacado de elefantíase, sem ele, só serve para nos atravancar a vida e imobilizar a Nação.Fundamentalmente a República de 1910 limitou-se a empolar os defeitos da Monarquia de 1820. Depois, o 28 de Maio continuou na mesma senda, até ao 25 de Abril onde os defeitos dos homens se enxertaram nos defeitos do sistema para nos conduzirem à mais extrema decadência, praticamente retornados à configuração geopolítica gerada no Séc. XIII pelo Tratado de Zamora.Comemorar o 28 de Maio é, por isso mesmo (para além das legítimas implicações contestatárias que o caso tem) comemorar o cume do poder do Estado português, e relembrar revoltadamente a personalidade política de Oliveira Salazar. Mas não pode ser mais nada. Não pode ser, principalmente, uma manifestação de saudade e de retorno às instituições ultrapassadas que o vintismo, o jacobinismo republicano, o corporativismo de 26 e o socialismo de 76 nos impuseram manu militari.Mas tem que ser o princípio duma revolução estrutural que, contra Lisboa, levanta toda a província a proclamar a independência viva — para que, como em 1910 e como em 1974, não mais seja possível alguém apossar-se da Nação pelo telefone.O mesmo Exército que nos impôs a democracia partidocrática no século passado, impôs-nos a República em 1910, doou-nos o Sidónio em 1917, obrigou-nos ao corporativismo em 1926, e forçou-nos ao socialismo em 1974. Devendo depender do consenso, depende o Estado português ainda hoje da força das armas; é ilegítimo por isso mesmo; contra o facto nos devemos legitimamente revoltar todos, procurando impor pela pura acção política a verdadeira independência nacional.
In A Rua, n.º 157, pág. 24, 14.06.1979.

27 anos depois o estado gasta 50% da riqueza nacional, 50% da população depende directamente do estado,o defice de hoje a preços constantes é igual ao total da despesa do estado de 1974. Quer isto dizer que se o Estado gastasse hoje tanto(corrigido da inflacção) como em 1974 gastaria 6% do PIB e não 50%



1 Comments:

Blogger O Corcunda said...

Permita-me,

Não se vive no passado, mas tem de se buscar no passado as referências para que se projecte o futuro (de outra forma perdendo a identidade).

Penso que uma página sobre MMM seria um tributo e uma forma de nos ajudar a projectar o futuro e a compreendermo-nos como povo.
Um dos últimos homens a pensar Portugal em grande, física e espiritualmente, é um património de futuro.

Não seria por ele, mas por nós...

Melhores Cumprimentos

2:09 da tarde  

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