terça-feira, agosto 07, 2007

Habitantes do penico

José Manuel Fernandes, hoje, no editorial do Publico, « O nosso admirável Portugal novo» faz referencia ao Prefácio ao Admirável Mundo Novo por Aldous Huxley. Não resisto a publicar parte .Este é o combate do presente e do futuro, convençam-se, a luta para impedir que nos transformem, a nós e aos nossos filhos, em peças de um gigantesco maquinismo totalitário que vai tomando conta de nós, impedindo-nos de mijar fora do penico, penico pensado e construído para nós , não só para mijar mas para vivermos nele .

«Admitindo , pois, que sejamos capazes de tirar de Hiroxima uma lição equivalente à que os nossos antepassados tiraram de Magdeburgo, podemos encarar um período não certamente de paz, mas de guerra limitada, que seja apenas parcialmente ruinosa. Durante esse período pode-se admitir que a energia nuclear seja aplicada a usos industriais. O resultado — e o fato é bastante evidente — será uma série de mudanças econômicas e sociais mais rápidas e mais completas que tudo que até agora foi visto. Todas as formas gerais existentes da vida humana serão quebradas e será necessário improvisar formas novas que se adaptem a esse fato não humano que é a energia atômica. Procusto moderno, o sábio de pesquisas nucleares prepara a cama em que a humanidade se deverá deitar; se a humanidade não se adaptar a ela, tanto pior para a humanidade. Será necessário proceder a algumas ampliações e a algumas amputações — o mesmo gênero de ampliações e amputações que se verificaram desde que a ciência aplicada se pôs realmente a caminhar com a sua própria cadência. Mas desta vez serão consideravelmente mais rigorosas que no passado. Estas operações, que estão longe de ser feitas sem dor, serão dirigidas por governos totalitários eminentemente centralizados. É uma coisa inevitável, pois o futuro imediato tem grandes probabilidades de se parecer com o passado imediato, e no passado imediato as mudanças tecnológicas rápidas, efetuando-se numa economia de produção em massa e entre uma população onde a grande maioria dos indivíduos nada possui, têm tido sempre a tendência para criar uma confusão econômica e social. A fim de reduzir essa confusão, o poder tem sido centralizado e o controle governamental aumentado. É provável que todos os governos do Mundo venham a ser mais ou menos totalitários, mesmo antes da utilização prática da energia atômica; que eles serão totalitários durante e após essa utilização prática, eis o que parece quase certo. Só um movimento popular em grande escala, tendo em vista a descentralização e o auxílio individual, poderá travar a atual tendência para o estatismo. E não existe presentemente nenhum sinal que permita pensar que tal movimento venha a ter lugar.
Não há nenhuma razão, bem entendido, para que os novos totalitarismos se pareçam com os antigos. O governo por meio de cacetes e de pelotões de execução, de fomes artificiais, de detenções e deportações em massa não é somente desumano (parece que isso não inquieta muitas pessoas, atualmente); é — pode demonstrar-se — ineficaz. E numa era de técnica avançada a ineficácia é pecado contra o Espírito Santo. Um estado totalitário verdadeiramente "eficiente" será aquele em que o todo-poderoso comitê executivo dos chefes políticos e o seu exército de diretores terá o controle de uma população de escravos que será inútil constranger, pois todos eles terão amor à sua servidão. Fazer que eles a amem, tal será a tarefa, atribuída nos estados totalitários de hoje aos ministérios de propaganda, aos redatores-chefes dos jornais e aos mestres-escolas. Mas os seus métodos são ainda grosseiros e não científicos. Os jesuítas gabavam-se, outrora, de poderem, se lhes fosse confiada a instrução da criança, responder pelas opiniões religiosas do homem. Mas aí tratava-se de um caso de desejos tomados por realidades. E o pedagogo moderno é provavelmente menos eficaz, no condicionamento dos reflexos dos seus alunos, do que o foram os reverendos padres que educaram Voltaire. Os maiores triunfos, em matéria de propaganda, foram conseguidos não com fazer qualquer coisa, mas com a abstenção de a fazer. Grande é a verdade, mas maior ainda, do ponto de vista prático, é o silêncio a respeito da verdade. Abstendo-se simplesmente de mencionar alguns assuntos, baixando aquilo a que o Sr. Churchil chama uma "cortina de ferro" entre as massas e certos fatos que os chefes políticos locais consideram como indesejáveis, os propagandistas totalitários têm influenciado a opinião de uma maneira bastante mais eficaz do que teriam podido fazê-lo Por meio de denúncias eloquentes ou das mais convincentes e lógicas refutações. Mas o silêncio não basta. Para que sejam evitados a perseguição, a liquidação e outros sintomas de atritos sociais, é necessário que o lado positivo da propaganda seja tão eficaz como o negativo. Os mais importantes Manhattan Projects do futuro serão vastos inquéritos instituídos pelo governo sobre aquilo a que os homens políticos e os homens de ciência que nele participarão chamarão o problema da felicidade — noutros termos: o problema que consiste em fazer os indivíduos amar a sua servidão. Sem segurança econômica, não tem o amor pela servidão nenhuma possibilidade de se desenvolver; admito, para resumir, que a todo-poderosa comissão executiva e os seus diretores conseguirão resolver o problema da segurança permanente. Mas a segurança tem tendência para ser muito rapidamente considerada como caminhando por si própria. A sua realização é simplesmente uma revolução superficial, exterior. O amor à servidão não pode ser estabelecido senão como resultado de uma revolução profunda, pessoal, nos espíritos e nos corpos humanos. Para efetuar esta revolução necessitaremos, entre outras, das descobertas e invenções seguintes: Primo: — uma técnica muito melhorada da sugestão, por meio do condicionamento na infância e, mais tarde, com a ajuda de drogas, tais como a escopolamina. Secundo: — um conhecimento cientifico e perfeito das diferenças humanas que permita aos dirigentes governamentais destinar a todo o indivíduo determinado o seu lugar conveniente na hierarquia social e econômica — as cunhas redondas nos buracos quadrados possuem tendência para ter idéias perigosas acerca do sistema social e para contaminar os outros com o seu descontentamento. Tertio: (pois a realidade, por mais utópica que seja, é uma coisa de que todos temos necessidade de nos evadir freqüentemente) — um sucedâneo do álcool e de outros narcóticos, qualquer coisa que seja simultaneamente menos nociva e mais dispensadora de prazeres que a genebra ou a heroína. Quarto: (isto será um projeto a longo prazo, que exigirá, para chegar a uma conclusão satisfatória, várias gerações de controle totalitário) — um sistema eugênico perfeito, concebido de maneira a estandardizar o produto humano e a facilitar, assim, a tarefa dos dirigentes. No Admirável Mundo Novo esta estandardização dos produtos humanos foi levada a extremos fantásticos, se bem que talvez não impossíveis. Técnica e ideologicamente, estamos ainda muito longe dos bebês em proveta e dos grupos Bokanovsky de semi-imbecis. Mas quando for ultrapassado o ano 800 de N.F., quem sabe o que poderá acontecer? Daqui até lá, as outras características desse mundo mais feliz e mais estável — os equivalentes do soma, da hipnopedia e do sistema científico das castas — não estão provavelmente afastadas mais de três ou quatro gerações. E a promiscuidade sexual do Admirável Mundo Novo também não parece estar muito afastada. Existem já certas cidades americanas onde o número de divórcios é igual ao número de casamentos. Dentro de alguns anos, sem dúvida, passar-se-ão licenças de casamento como se passam licenças de cães, válidas para um período de doze meses, sem nenhum regulamento que proíba a troca do cão ou a posse de mais de um animal de cada vez. À medida que a liberdade econômica e política diminui, a liberdade sexual tem tendência para aumentar, como compensação. E o ditador (a não ser que tenha necessidade de carne para canhão e de famílias para colonizar os territórios desabitados ou conquistados) fará bem em encorajar esta liberdade, juntamente com a liberdade de sonhar em pleno dia sob a influência de drogas, do cinema e da rádio, ela contribuirá para reconciliar os seus súditos com a servidão que lhes estará destinada.
Vendo bem, parece que a Utopia está mais próxima de nós do que se poderia imaginar há apenas quinze anos. Nessa época coloquei-a à distância futura de seiscentos anos. Hoje parece praticamente possível que esse horror se abata sobre nós dentro de um século. Isto se nos abstivermos, até lá, de nos fazermos explodir em bocadinhos. Na verdade, a menos que nos decidamos a descentralizar e a utilizar a ciência aplicada não com o fim de reduzir os seres humanos a simples instrumentos, mas como meio de produzir uma raça de indivíduos livres, apenas podemos escolher entre duas soluções: ou um certo número de totalitarismos nacionais, militarizados, tendo como base o terror da bomba atômica e como conseqüência a destruição da civilização (ou, se a guerra for limitada, a perpetuação do militarismo) ou um único totalitarismo internacional, suscitado pelo caos social resultante do rápido progresso técnico em geral e da revolução atômica em particular, desenvolvendo-se, sob a pressão da eficiência e da estabilidade, no sentido da tirania-providência da Utopia. É pagar e escolher.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O Sr José Manuel Fernandes do "Público", escreveu «mudanças econÔmicas» ? escreveu «fato» por facto e «energia atÔmica» ?
Também já se escreve assim em português ?

1:01 da tarde  
Blogger Francisco Múrias said...

Parece que sim.O prefácio foi «pinado» de um sítio brasileiro

2:15 da tarde  

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