quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Aristides de Sousa Mendes

Praticamente tudo o que sei sobre este assunto tem origem no documentário que a televisão transmitiu ontem , dou portanto como certos todos os factos que o Dr José Miguel Júdice nos fez o favor de dar conhecer

O Dr Miguel Júdice convidado a defender a personalidade de Aristides Sousa Mendes fê-lo brilhantemente . Aristides de Sousa Mendes foi realmente um homem extraordinário, fora do comum, que pôs os interesses de milhares de refugiados acima dos seus interesses pessoais, destruiu a sua carreira de diplomata, chamou a si e à sua família a pobreza , tudo pelos outros, pelo próximo. Foi um verdadeiro cristão e tem com toda a certeza um lugar no Céu.A coragem deste homem foi impressionante. Fazer frente a Salazar não era nem foi fácil. Desobedecer conscientemente a ordens do seus superiores foi prova de uma enorme coragem. Foi com toda a certeza um homem de Bem.

Mas como ele próprio reconheceu errou. Não errou como cristão, não errou como Homem , errou como funcionário publico, errou como diplomata.

Para o Bem e para o Mal a politica externa de cada país é definida pelo Governo. Certa ou errada é definida pelo Governo. Não pode haver, em cada embaixada, em cada consulado uma politica externa diferente. O Dr. Aristides de Sousa Mendes não conhecia todas as variantes da politica externa, sabia o que se passava em Bordéus, sabia o que se passava em Bayonne, mas não sabia, porque não podia saber nem tinha que saber, as razões de Estado que levaram Salazar a exigir que cada visto só fosse concedido depois de autorizado superiormente . O cônsul não estava impedido de conceder vistos, apenas tinha que pôr à apreciação superior a sua concessão. Não sabemos, porque não aconteceu, se o Governo Português daria ou não os vistos que Aristides de Sousa Mendes carimbou. Sabemos que o processo seria lento, que por causa da burocracia, a maior parte desses vistos, mesmo autorizados, nunca chegariam a tempo. Aristides de Sousa Mendes sabia desse facto e decidiu por bondade concede-los.

Percebe-se que o Governo fez os impossíveis para que o cônsul parasse de desobedecer. Enviou Pedro Teutonio Pereira, embaixador em Madrid e nessa altura o numero dois do regime, falar pessoalmente com ele, dizer-lhe que já tinha cumprido a sua obrigação com Homem. Recusou inutilmente , pois os vistos concedidos apos essa conversa foram considerados nulos.Aristides de Sousa Mendes, naquele momento, pressionado pela consciência, pela ansiedade de milhares de refugiados em pânico e pelas autoridades portuguesas estoirou. Começou a conceder vistos no comboio, na rua , carimbava qualquer passaporte que lhe pusessem à frente.

Foi demitido e foi castigado.

Salazar podia readmiti-lo, Salazar podia desculpa-lo, Salazar podia perdoar-lhe. Compreender o que lhe ia na alma. Podia , mas abria um precedente. Se o tivesse feito passava a ideia que cada funcionário podia desobedecer por motivos de consciência. Salazar não era apenas um homem, era um Chefe, Chefe do Governo, Chefe do País.A sua função era decidir, dar ordens e fazer com que elas fossem obedecidas. Não tem nada que ver com ditaduras, com autoritarismo. Nas democracias funciona tudo exactamente da mesma maneira. Se o nosso cônsul no Sudão desatasse agora a conceder vistos a torto e a direito, no comboio, na rua, nos cafés, por motivos de consciência, era castigado, demitido e reformado.

É assim que isto funciona, se não fosse assim não funcionava.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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6:45 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Gostei de ler a sua análise sobre o documentário passado ontem, que não vi porque tenho a televisão quase sempre fechada e nem sequer me ocorreu que ele iria passar.
Conheço a história de A.S.M com todas as suas atribulações e a minha pena de não o ter visto prende-se com o facto de não ter podido verificar até que ponto houve objectividade e respeito pela verdade dos acontecimentos, no documentário sobre um homem certamente bom - e não é a sua bondade ou a falta dela que está em causa - de que ninguém falava, mas que de repente e a 'determinada altura' (e só numa específica altura) desta desencantada democracia alguém puxou para a ribalta dos acontecimentos, quase à força.

Peço desculpa do comentário anterior não ter ficado registado.
Maria

7:09 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Muito interessante este teu post. No entanto e como bem sabes, as tuas obrigações hierárquicas ou funcionais não podem limitar, em questões de ética ou moral, a tua liberdade individual. Aristides fez o que a sua ética e moralidade obrigou a fazer. E fez bem. Salazar fez o que a sua responsabilidade como Estadista obrigava. E fez bem. O elogio a um não tem de ser a critica a outro. Isso é a tipica demagogia fácil e oportunista. Luis P

11:56 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Obrigado por este seu post. Há já algum tempo que acompanho o "concurso" da RTP e, como perdi o documentário, foi bom ver que Aristides também é "desmisitificável", ao contrário do que nos fazem crer.

11:20 da manhã  

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