sexta-feira, agosto 04, 2006

Lei das Rendas

Isto foi uma carta que eu enviei ao Sr Presidente da Républica em Fevereiro de 2006:

Há dois tipos de argumentos para considerar que esta nova lei das rendas que impede os trespasses e a cessão de quotas é injusta e ilegal:

Argumentos economicos e argumentos de direito:

Argumentos economicos:

Porque é que uma renda de uma casa comercial fica desvalorizada com o tempo e é criado um valor de trespasse?

A razão é simples: é a diferença entre o valor da inflacção e o valor do crescimento economico

Vamos supor que eu negociava hoje um contrato de arrendamento para os proximos 20 anos em determinada local por uma renda de 1000 contos.

Portanto nos proximos 20 anos a renda seria actualizada tendo em conta o valor da inflacção: se a inflacção media fosse de 3% ao ano daqui a 20 anos a renda seria 1860 contos mês.

Nas contas que eu faria para chegar a acordo com o senhorio teria em conta que a renda seria 10% das minhas vendas(por exemplo) e montava a estrutura de custos tendo em conta essa percentagem. A renda estaria a preços de mercado hoje mas estaria a preços de mercado dentro de 20 anos?

O senhorio tambem faria contas e vamos supor que o imóvel lhe tinha custado 120 000 contos e ele queria retirar 10% de juro ao ano.Tinhamos portanto chegado a acordo. Os interesses do senhorio coincidiam com os meus.

Vamos dizer que a economia crescia uma media de 5% nos proximos 20 anos e vamos dizer que eu conseguia crescer acima dessa media.

Conseguia crescer 10 % ao ano, conseguia porque a economia crescia, porque estava posicionado num sector que cresceria acima da media e eu conseguiria crescer acima da media do sector Isto queria dizer que as minhas vendas este ano seriam de 120 000 contos e dentro de dez anos seriam 733 000 contos e renda 1860 o que representaria apenas 0.2% .

Um negocio cuja renda representasse apenas 0.2% do total das vendas seria obviamente um negocio cuja renda era baixa E o negocio teria um valor de trespasse tendo em conta o negocio em si mas tambem a renda baixa..

Se a economia cresce 5% quer dizer que em média os negocios creceram 5% ao ano se a inflacção for 3% quer dizer que o crescimento do valor da renda esta abaixo do crescimento do país e portanto a renda desvaloriza-se tendo em conta o local e a realidade economica 2% ao ano.

Mas o investimento do senhorio não se desvaloriza.Apenas ele preferiu não arriscar, não trabalhar e receber o rendimento do seu investimento

Mas o senhorio não perdeu dinheiro nenhum . Ganhou tendo em conta o investimento inicial. A economia cresceu não porque o senhorio tivesse feito alguma coisa para isso mas porque as empresas criaram valor, criaram postos de trabalho e fizeram a economia crescer. A contribuição do senhorio foi apenas alugar a loja, ele não fez mais nada para o crescimento do país. A empresa cresceu 10% ao ano não porque o senhorio tenha feito alguma coisa para isso mas porque o empresario fez.
Mas o senhorio não fica prejudicado em nada. Ele continua a vender o mesmo produto com a mesma qualidade ao preço actualizado que combinou

A renda é o juro sobre o capital investido. A renda é justa se o juro for justo: Se o juro for alto de mais passa a ser usura.

Se o senhorio tivesse a loja fechada dentro de 20 anos provavelmente conseguiria aluga-la por 7 000 contos mes : Mas perderia as rendas ate lá.

O capital do senhorio não se desvalorizou em nada. Se a loja valesse 120 000 contos agora (ele retiraria de rendas 10% ao ano) dentro de 20 anos passaria a valer 223000 . Mas se o senhorio capilasasse o valor das rendas teria os 223000 do predio mais todas as rendas que recebera ate lá mais os juros compostos.


Só não se cria valor de trespasse se o imovel estiver por alugar ou a economia decrescer.

Argumentos de Direito

LEI DAS RENDAS COMERCIAIS
Uma das características das leis é a sua sucessão cronológica, cada lei quando entra em vigor revoga ou aperfeiçoa uma lei já existente.Com os regimes jurídicos acontece o mesmo, cada regime novo revoga ou melhora o antigo regime.
Há três formas de alterar um regime: revolucionária, reformadora ou conservadora.
A revolucionária quando altera totalmente o regime anterior com consequencias retroactivas
A reformadora quando altera o regime anterior mas cria um período de transição para garantir os direitos e justas expectativas das pessoas que confiaram no regime anterior
A conservadora quando cria uma dinamica de mudança mas alterando prudentemente algumas normas ao longo do tempo criando períodos de vacatio para não ferir os direitos adquiridos e as justas expectativas de quem é afectado pela alteração.
Não há duvida que as alterações ao regime de arrendamento urbano não são conservadoras e à primeira vista dado o regime de transição parecem ser reformadoras, mas serão?
As alterações são reformadoras ou revolucionárias não, por terem um período de transição, mas porque as primeiras não têm efeitos retroactivos e as segundas têm.
Ora este novo regime jurídico tem consequencias retroactivas gravosas, no que toca ao regime de arrendamento comercial.
O direito visa a estabilidade e a orientação de condutas e expectativas. A lei é antes de mais uma regra de conduta que serve para orientar motivar e determinar a conduta dos destinatários. «Ora, como tal, ela não pode orientar ou dirigir tais condutas antes de ser posta em vigor» (1)( João Baptista Machado , Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador )
No regime ainda em vigor, o senhorio só pode aumentar a renda respeitando os niveis da inflacção, e só o podia denunciar por justa causa. Este regime fez com que os contratos de arrendamento dessem origem a dois direitos e valores . O direito ao contrato de arrendamento e o seu respectivo valor e o direito ao trespasse e o seu valor.

O valor do contrato de arrendamento está relacionado directamente com a forma como está redigido, o numero de actividades comerciais ou industriais que dá direito e o preço da renda. O contrato pertence à empresa arrendatária que por sua vez tem no local arrendado um estabelecimento comercial ou industrial . Um contrato que , por exemplo, liberalize o estabelecimento de qualquer actividade comercial ou industrial tem mais valor pois permite à empresa arrendatária mudar o ramo de negocio se a sua estrategia assim o exigir.O valor do contrato de arrendamento pertencia (e digo pertencia porque já não pertence) à empresa e só podia mudar de mãos se a empresa fosse vendida ou trespassasse o estabelecimento

O valor do trespasse está relacionado com o negocio que lá está montado, com o valor da renda e o seu peso percentual na totalidade das vendas ou serviços prestados pelo estabelecimento comercial ou industrial. Se no local do Gambrinus estivesse montado um estabelecimento comercial de venda de ferragens o valor do trespasse seria significativamente inferior ao negocio que lá está montado.Com o trespasse a empressa trespassária vendia (e digo vendia porque já não vende) o estabelecimento do qual fazia parte o contrato de arrendamento, os clientes e o negocio em si com as respectivas vendas ou serviços prestados.

Ora esta lei antes mesmo de entrar em vigor retirou completamente aos arrendatários o valor do contrato de arrendamento e o valor do trespasse. Ninguem com a expectativa criada pelo Governo vai pagar qualquer importancia por qualquer contrato de arrendamento ou trespasse, pois com o poder com que os senhorios ficam de denunciar contratos esses valores desaparecerem dos activos das empresas arrendatárias para passarem directamente para os activos do senhorio.
( )

Qualquer inquilino que tenha neste momento uma renda baixa em relação ao negocio lá montado pode manter essa renda mesmo com a nova lei, pagando ao senhorio o valor que este exija para não a alterar (o valor do trespasse que pertencia ao inquilino e passou a pertencer ao senhorio)
Como é sabido durante dezenas de anos milhares de empresários pagaram trespasses ou compraram empresas tendo em conta o regime juridico ainda vigente.Ora como se viu os efeitos desta lei são retroactivos e como tal tem que ser considerada como uma lei revolucionária., porque o direito revolucionário não tem que «respeitar os factos passados ou as situações juridicas que se tinham constituido à sombra de leis antigas que representavam desvios aquele Direito e eram , como tais, ilegítimas»(2). A pressa que o governo mostra em a fazer aprovar debatendo-a o menos possível caracteriza-a dentro das normas revolucionárias pois normalmente os legisladores revolucionários têm tanta pressa de pôr a funcionar uma ordem nova que nunca se preocupam com as injustiças da aplicação generalizada das leis novas (3)E como revolucionária que é é uma lei contra o direito, pois «o direito tem como função estabilizar as expectativas das pessoas que nele confiam e nele assentam os seus planos de vida . Nada corroi mais a função social do direito que a perda de confiança nas suas normas em consequencia da frustação de expectativas legítimas fundadas nas mesmas normas. Daí que a necessidade de respeitar a estabilidade das situações juridicas seja ela mesmo um postulado inerente aquela função social do direito.»(4)



Temos pois que perguntar se vivemos num Estado Revolucionário ou num Estado de Direito.

Parece evidente que ainda, e enquanto não for revogado o artigo nº2 da Constituição, vivemos num Estado de Direito que «postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem juridica e na actuação do Estado , o que implica um minimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas»(5) E isto não sou eu que digo é um Acordão Tribunal Constitucional de 15/3/95 pois quando a lei nova altera de uma forma inadmissível, intolerável, arbitraria demasiado onerosa e inconsistente, e passo a citar o acordão e com. «a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar expectantes que estavam, razoavel e fundádamente na manutenção do ordenamento jurídico, que regia a constituição daquelas relações e situações»(6)« impor-se-à que actue o subprincipio da protecção e segurança juríca que está implicado pelo principio do Estado de Direito democrático por forma a que a nova lei não vá de forma acentuadamente arbitraria ou intolerável, desrespeitar os minimos de certeza e segurança que todos têm que respeitar»(7) Quando tal acontece a lei , e cito novamente o Tribunal Constitucional «terá de ser entendida como não consentida pela Constituição»(8)
( )
A nova Lei das Rendas provoca, e já provocou antes mesmo de entrar em vigor, a desvalorização de todos os contratos de arrendamento comerciais e tambem a desvalorização dos valores de trespasse dos estabelecimentos comerciais e industriais . Quer isto dizer que milhões de contos desaparecerem dos activos das empresas de um dia para o outro. Milhares de empresários perderam com esta desvalorização milhões de contos, milhares de empresas foram sacrificadas no seu património em nome de um mercado do arrendamento eficiente ( Se dissermos que há em Portugal 200 000 estabelecimentos comerciais e se cada um tiver de valor médio de trespasse de 30 000 contos chegaremos ao lindo numero de seis mil milhões de contos de prejuizo(se for só 5000 contos temos mil milhões de contos), se somarmos a isto os lucros futuros que as empresas perderam, mais os subsidios de desemprego que teremos todos que pagar temos aqui um belo sarilho )
A questão agora é saber se alguem paga esse sacrificio, a questão é saber se o Estado e os seus respectivos titulares vão pagar este sacrificio às empresas e aos empresários.
Já há jurisprudencia que aponta neste sentido todos nos lembramos do empresário dono de uma pedreira na qual descobriram pegadas de dinausauros e que por via de uma lei que transformou o local onde ele tinha o seu estabelecimento industrial num Parque Natural, recebeu ,embora não tenha sido de facto expropriado, um milhão de contos de indeminização?
Esta Lei é provavelmente a mais violenta dos ultimos cem anos pelo ataque desmedido e arbitrario às pequenas empresas desavalorizando-lhes em muitos casos os seus maiores activos: o contrato de arrendamento e o valor de trespasse.
( )
Mas será que o Estado terá que indeminizar pelo sacrificio e prejuizos causados?
Parece-me que sim esta Lei só poderá ser constitucional, se partirmos do principio que vivemos num Estado de Direito, se o Estado indeminizar.A lei que sacrificar –ou, que é o mesmo, que expropriar – só poderá ser acto lícito , obediente ao direito e portanto conforme à Constituição se contiver uma clausula explicita de indeminização, destinada a compensar o sacrificio que atrvés dela é imposto.(9)
A lei tal como apareceu a público é revolucionária e inconstitucional, pois o que caracteriza o direito revolucionário é os seus efeitos retroactivos , no entanto podemos pensar que poderão surgir alterações que a legalizem…
Se para a legalizarem tiverem que pagar as indeminizações eu pergunto onde é que o Estado tem esse dinheiro. A consequencia desta lei poderá ser a falencia do Estado Português, poderá ser a maior crise
em que o Estado se vai meter desde a Guerra Peninsular, o utilizador pagador vamos ser todos nós, vamos todos pagar , como é hábito, as asneiras da classe política
Como dizia o Presidente da Associação de Restaurantes esperemos que haja bom senso, fazer leis injustas num Estado de Direito tem consequencias ecomómicas e mesmo penais.
A procuração que os politicos têm do Povo só lhes permite legislar de maneira cautelosa e prudente, a excitação revolucionária tem normalmente consequencias desastrosas para o País.
Não se julguem estes novos políticos mais espertos ou corajosos que os que os antecederam, se a lei apesar dos gigantescos interesses economicos, nunca foi mudada de forma radical foi porque não devia ser mudada de uma forma radical e não porque os anteriores detentores de cargos publicos fossem covardes ou estupidos.
Todos sabemos que o problema do mercado de arreendamento se deve à dificuldade de despejar pelo não pagamento das rendas (10 anos disse o ministro) porque a lei em vigor prevê já contratos de prazo limitado ou se senhorio e inquilino chegarem a acordo contratos que funcionam no regime antigo de renovação automatica.
Se a lei prevê isto porque é que só há 9 pessoas a viver no Rossio? Por causa da dificuldade de despejo motivado pelo não cumprimento do contrato.
Se a motivação é normalizar o mercado de arrendamento e colocar no mercado as tais centenas de milhar de casas devolutas é só mexer no regulamento dos despejos, porque esta lei é de uma injustiça brutal
( )
O que é que os politicos vão dizer a quem no Chiado ou no centro de Cascais pagou valores pela chave, valores de dezenas de milhares de contos para terem determinados contratos de arrendamento, o que é que os politicos vão dizer a quem pagou trespasses, às vezes aos proprios senhorios de dezenas ou centenas de milhares de contos, o que é que os politicos vão dizer a quem trabalhou a vida inteira à espera de um dia trespassar o seu estabelecimento e ir descansar para casa tratar dos netos e esperar pela morte ?


Cada um de nós no dia a seguir à aprovação da lei tem que chamar o seu advogado e processar o Estado pedindo uma indeminização pelo sacrificio causado. Nós temos o direito de ser indeminizados por prejuizos causados por uma lei. Faz parte dos nossos Direitos enquanto homens ou mulheres.
Mas há mais:
Nós não temos nada contra os senhorios. Sabemos que os senhorios tambem foram miserevavelmente roubados pelo Estado quando este congelou as rendas de habitação em 1974.Não foram os inquilinos que sacrificaram os senhorios, Foi o Estado. O que o Estado fez em Novembro de 1974 foi nacionalizar a propriedade sem ficar com as respectivas responsabilidades passando-as para os presumiveis proprietários. A responsabilidade é do Estado, é ao Estado que compete indeminizar pelos prejuizos causados
No entanto e no caso dos arrendamentos comerciais, os senhorios quando assinaram o respectivo contrato de arrendamento sabiam que só o podiam denunciar por justa causa. Se o valor da renda está actualizado a preços constantes relativamente à assinatura do contrato o contrato está em vigor e a renda é justa pois foi essa renda que o senhorio negociou com o inquilino com a condição de este a pagar e daquele não o denunciar.
Se o local se valorizou foi porque estava alugado. O que é que seria do Rossio se os comerciantes tivessem como os restantes inquilinos abandonado o local? Seria pasto neste momento de malfeitores.Não pode pois o senhorio aumentar a renda pois o valor que o local tem neste momento se é superior ou inferior pertence ao comerciante.
Mas lei permite ao senhorio aumentar a renda. Pois bem, se tal acontecer quer dizer que o valor conquistado arduamento pelo comerciante ao longo dos anos para o local vai passar dos bolsos do inquilino para os bolsos do senhorio. Estamos pois aqui perante um enriquecimento sem causa em que um activo se tranfere de um contribuinte para outro sem que o outro tenha feito alguma coisa para isso Sabemos que o senhorio não tem culpa desta situação mas aqui a lei é clara:
Há enriquecimento sem causa mesmo quando »a vantagem provém de acto de terceiro por acto de terceiro» (Acordão Supremo Tribunal de Justiça de 24/6/2004) Ora aqui o terceiro é o Estado por acto do Governo.
Portanto e quando a renda está actualizada relativamente ao inicio do contrato o senhorio só pode aumentar a renda quando compensar o comerciante pelos prejuizos no seu activo daí resultantes.
Se tal não acontecer os comerciantes , chamando os seu advogados têm que processar os senhorios por enriquecimento sem causa e receber destes a respectiva indeminização.
Os problemas que esta lei vai levantar, a conflitualidade que vai surgir, as divisões entre porugueses que vão aparecer são de tal maneiras grandes que é absolutamente necessário que esta lei não seja aprovada.
O Sto Agostinho dizia que tudo o que divide é mau. Esta lei divide. Esta lei é má.
E eu infelizmente como não sou santo digo que não é má é péssima

(1)(2)(3)(4) João Baptista Machado «Introdução ao direito e ao discurso legitimador» Almedina ,Setembro de 2004
(5)(6)(7)(8) Acordão do Tribunal Constitucional 15/3/95
(9)Maria Lucia CA Amaral Pinto Correia
«Responsabilidade do Estado e dever de Indemnizar do Legislador»
Coimbra Editora 1998 pg 469-