quinta-feira, maio 11, 2006

Gilberto Freyre

António Sardinha
Gilberto Freyre
O ANNO NOVO começou melancholicamente para Portugal e para o Brasil: morreu a 10 de Janeiro, em Lisbôa, o escriptor e poeta Antonio Sardinha.Foi das mais rudes surprezas telegraghicas a noticia da morte de um escriptor ainda tão moço e cuja actividade assumiria ultimamente forte e alto relevo.Dirigia Antonio Sardinha a revista monarchica "Nação Portuguesa" e era um dos redactores da "Lusitania", revista de erudição e lettras dirigida pela Snra D. Carolina Michaelis de Vasconcellos. Ahi publicara recentemente a primeira parte de um estudo interessantissimo, visando rehabilitar o seculo jesuitico por excellencia da historia portugueza: o decimo setimo. A cultura do Seiscentos portugueses apparece no ensaio de Antonio Sardinha ostentando o relevo de esquecidos valores.Em torno de Sardinha estavam reunidas algumas das melhores forças jovens de Portugal, a intelligencia nova do velho paiz, desejosa de o reintegrar na sua tradição, na sua historia, na sua natureza de povo hispanico. Pertenciam á "Nação Portuguesa" Luiz de Almeida Braga, Manuel Murias, Ivo Cruz e outros talentos moços, clarificados pela doutrina intelligentemente nacionalista do jovem mestre.Deixa Antonio Sardinha notaveis trabalhos de erudição e revisão historica: O Valor da Raça, No Principio era o Verbo e o recente Aliança Peninsular, prefaciado pelo Sr. Conde de Mortera.Seus sonetos e poemas são uma poesia cheia de nobreza intelectual. Fazem sentir o intellectual que em Antonio Sardinha dominava e abafava o instincto. Num desses poemas elle caracteristicamente fez o elogio dos livros velhos:Os livros velhos! Que doçura estranhanão saboreia a gente, ao entreabril-os!E mais adiante, destacando pormenores que os voluptuosos de livros velhos saberão sentir em todo o seu intimo e especial encanto:Oh, livros velhos! Oh, vinhetas rudes,com anjos bochechudos assoprando- obra de ingenuo artista!Vê la, Leitor Amigo, se te illudes:- vale de v o u de quando em quandoo s e o t metem quase a mesma vista!Em Elvas, em cujo convento está sepultado, sob lage brazonada, João Sardinha Brissos, remoto antepassado do poeta, é que elle residia, na Quinta do Bispo, entre memórias e recordações do antigo bispo de Pernambuco, o economista Azeredo Coutinho.Morreu ainda homem novo, sem chegar a esse outonno da vida de que antecipara quase a intima melancholia.Vem a subir o outono!...O’ minha Amiga,como será o nosso envelhecer?
(Gilberto Freyre, "Antonio Sardinha", Revista do Norte, Recife, n.1, p. 5-6, 1925

5 Comments:

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