quarta-feira, maio 10, 2006

Tudo muda para ficar tudo na mesma

A ideia não é de hoje nem de ontem — é de há muitos anos. Despolitizar o político tem sido o sonho de quantos tecnocratas têm passado por S. Bento desde Salazar. Sendo o país o conglomerado de pessoas economicamente necessitadas, o seu governo deve ter como alvo essencial a satisfação dessas mesmas necessidades. O marxismo define um modelo de sociedade anónima, o capitalismo define outro. Para existir com felicidade, deve bastar a Portugal manter um nível de vida suficientemente alto; para não sentir constrangimentos patrióticos deve poder equiparar-se ao nível de consumos dos mais gastadores países da Europa.Aqui há uns anos, no «Expresso» de que foi director o Dr. Balsemão, escrevia-se que o maior erro político da História de Portugal tinha sido a revolução de 1640. Explicava-se naturalmente a afirmação pelo tempo histórico já decorrido: — se tivéssemos cedido à ânsia centralizadora do Conde-Duque de Olivares, se não tivéssemos seguido o pendão irredentista dum grande senhor alentejano, nós agora seríamos como a Navarra, como a Galiza, como a Catalunha, ou como os Andaluces, maior província de Castela — e vivíamos abastadamente no seu grande espaço político-económico, parte maior duma grande potência europeia. Não seríamos portugueses, mas seríamos ricos. Um ponto de vista económico adaptado à soberania, minimiza a soberania; sendo o país apenas o conglomerado duns milhões de pessoas economicamente necessitadas, se a satisfação dessas necessidades passa pela perda da soberania — faz-se um bom negócio, cumprindo-se um mandato. O que o povo quer é viver; se para viver melhor for preciso transferir o capital para Madrid (ou para Estrasburgo) que se transfira para aí o capital.Longe de nós estarmos aqui a insinuar que o governo do Dr. Balsemão tem como projecto escondido a União Ibérica, Limitamo-nos a concatenar os factos — e a tentar compreender porque tendo de organizar um Conselho de Ministros o Primeiro-Ministro indigitado parece pretender constituir somente um Conselho de Gestão. No fundo o que separa o projecto político da Aliança Democrática do projecto comunista é a forma de organizar a economia: onde um pretende sociedades anónimas, pretende o outro Unidades Colectivas de Produção ou Empresas Públicas. Os valores éticos subjacentes ao conceito de Nação como mais alguma coisa que um mero aglomerado de pessoas economicamente necessitadas, desvanece-se nesses projectos. Aos gestores comunistas (muito maus) que nos governaram nos primeiros anos da revolução sucedem-se os gestores capitalistas (menos maus) nascidos na contra-revolução novembrista.Natural é, portanto, que personalidades cujas preocupações não são apenas económicas, se afastem do novo governo. Apesar de menormente, Sá Carneiro pretendia ser um estadista; o Dr. Francisco Balsemão deseja somente ser o Presidente do Conselho de Administração de Portugal S.A.R.L.Que o Conselho Fiscal o apoie e ele seja aclamado em Assembleia Geral são os nossos votos sinceros.
Manuel Maria Múrias (A Rua 28/07/1977) pinado do Sexo dos Amjos

3 Comments:

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