A industria da cultura
Com um abraço para o Miguel Castelo Branco:
-É preciso industrializar o livro!-proclamava há dias António Quadros no lançamento da «Biblioteca Básica Verbo».Porque, deduzo eu, sem industrializar massivamente o livro não é possível embaratecê-lo, fazê-lo chegar às massas semi-iletradas promovendo-as culturalmente, para as poder apoveitar no esforço de desenvolvimento económico em que estamos empenhados.
É preciso , portanto, industrializar a cultura, planeando-a metódicamente, coordenando-a coerentemente para que trabalho de culturação dos povos seja eficiente e aproveitado.É preciso, portanto, como também quer António Quadros - criar o Ministério da Cultura que defina em amplas bases a escala das nossas prioridades culturais, situando-as no contexto planeado de Portugal, de maneira a que a cultura não seja o apanágio de um grupo, de uma casta ou de uma classe social, e se democratize, e salte à rua, pule nas praças, e se derrame imensa pelos quatros cantos do território. O velho Malraux ensinou-nos o caminho - tendo-o aprendido ele ao lado dos milicinos negros, enquanto se entretinha a bombardear as igrejas da Espanha que tanto amava.
Como é que se industrializa o livro? Talqualmente o fizeram o lançamento publicitário espectacular , cem mil exemplares no sescapartes, uma distribuiçao impecável, umas dezenas de título fortes. Fabricado em massa, adquiridos em massa o Camilo pode ser vendido ao preço da chuva, o Eça da mesma maneira, e assim o Nemésio, e o Paço d'Arcos, e o Branquinho da Fonseca e o pobre do Fernando Namora. Os prelos não param. Ganham os editores, ganham os livreiros, ganham os operários, ganham os escritores que podem profisionalizar-se - e ganha o púlico que passará a poder ler, ficando sem justificação para o não fazer.À obra extraordinária de alfabetizaçao do dr Veiga de Macedo, à vinte anos, à obra maravilhosa da Fundação Gulbenkian que Branquinho da Fonseca teimosamente iniciou em Cascais, junta-se agora a vontade (e o poder) da «Verbo» e da Telesvisão. Ràpidamente e em força vamos ganhar mais esta batalha.
Como é que se industrializa a cultura, porém?Como é que se vão vender mais quadros, e mais esculturas,e mais bilhetes para o teatro e para o cinema, e mais ópera, e mais bailado, e concertos sinfónicos, e religião, e política, e tradição oral, e maneira de ser, e de viver, e de sentir?Como é que se vai distribuir impecàvelmente tudo isto, sem pararem os pincéis e os cinzéis, os músicos, os cantores e os bailarinos, os cineastas e os Igrejas Caeiros, os padres e os políticos, a história e a língua?
Criando um Ministério da Cultura que oriente, fomente, coordene, financie, superintenda, legisle a cultura portuguesa como o Malraux fez em França, como o Goebbels fez a Alemanha, como o Lunatcharski fez na Rússia.E haveremos de ter, depois, o nosso Jean- Louis-Barrault e as nossas Casas da Cultura. O nosso horrendo Speer e a nossa belíssima Riefenstahl. O nosso admirável Eisentein e o nosso entusiástico Maiakoviski.Lançaremos o cimento armado para o Céu O nosso Deus é progresso/O nosso coração é o tambor.
Tudo isto- e papel selado. Tudo isto - e o inevitável totalitarismo da burocacia. Tudo isto - e o Brave New World.Todos os meios didáticos de culturação massiva ao dispor do Ministério da Cultura. Todos os meios pedagógicos de instrução ao dispor do Ministério da Educação Nacional. O B-A=bá para um lado ; os museus, os teatros e os cinemas para outro.Uma ideia a presidir (a ideia de Nação como quereria com certeza o Goulart Nogueira), um fim a conseguir (a ditadura do proletariado, como o desejaria certamente, o dr Óscar Lopes), um caminho a seguir (o da originalidade da cultura, como o sonha Antóno Quadros).
Tudo certo. Tudo medido. Tudo revisto. Tudo calendado. Não há lugar para mais um, que a cultura é uma.
A democracia é verdadeira tentação. Mesmo quando descentralizada é para centralizar melhor, criando orgãos centrais de planeamento. Assim na política económia, assim na política cultural. O franco-atirador, o génio, o poeta, já não têm cabimento na sociedade socializante que nos suga.Mesmo os melhores, os mais livres, cultos e inteligentes (como António Quadros, por exemplo) se deixam seduzir. É o fascínio da eficiência. A miragem tecnocrática. O sonho de levarmos aos outros o que sabemos bom para nós:-o grande poema do Fernando Pessoa, o lindíssimo fresco do Almada Negreiros, a música de Joly Braga Santos.
E empastelamos tudo. Não podemos consentir o Mal, nem tolerar o Feio, nem aceitar o Pequeno. Precisamos de nos disciplinar, e ordenar, e desfilar.Trazer os ovos à nossa cultura e ao nosso saber, às nossas poltronas e ao nosso frigorífico . À nossa Suécia aséptica e sem inibições.
É uma revolução estrutural.Não é apenas já, honradamente, querer levar o Camilo até Carrazedade Anciães, terra do meu avô, perdida no planalto. É querer obrigar os povos a deixarem de ser o que são para serem o que nós somos, tão bons, tão inteligentes - e tão sabidos .É conseguir, pela facilitação dos meios culturais a unidade cultural da Nação Portuguesa -um gigantesco programa único para o gigantismo do nosso gigantesco espaço cultural.
Se não nos lançarmos na ponta da unha no arrojado empreendimento, perderemos o comboio do progresso - como diria o dr Francisquinho Balsemão- e nunca mais nos achegaremos aos franceses, e aos alemães, e aos ingleses, e aos ingleses, e aos suecos, e aos dinamarqueses.Permaneceremos durante séculos macambúziose lôrpas, estúpidamente agarrados às glórias de quinhentos, ao Vasco da Gama e ao Infante D Henrique - incapazes, como se lamenta Manuel Gama, de pôr as nossas estrelas no Céu.
Ah!Como nós precisamos de lutar para sermos tão bons como os outros.O que nós precisamos de fazer para os transformarmos de raiz - estradas e pontes, escolas e bibliotecas, museus e galerias, planeamento económico e planeamento cultural , protecção a indutria quimicae rotecção à industria da cultura. Seremos capazes?
Manuel Maria Múrias
Publicado na «Política»
-É preciso industrializar o livro!-proclamava há dias António Quadros no lançamento da «Biblioteca Básica Verbo».Porque, deduzo eu, sem industrializar massivamente o livro não é possível embaratecê-lo, fazê-lo chegar às massas semi-iletradas promovendo-as culturalmente, para as poder apoveitar no esforço de desenvolvimento económico em que estamos empenhados.
É preciso , portanto, industrializar a cultura, planeando-a metódicamente, coordenando-a coerentemente para que trabalho de culturação dos povos seja eficiente e aproveitado.É preciso, portanto, como também quer António Quadros - criar o Ministério da Cultura que defina em amplas bases a escala das nossas prioridades culturais, situando-as no contexto planeado de Portugal, de maneira a que a cultura não seja o apanágio de um grupo, de uma casta ou de uma classe social, e se democratize, e salte à rua, pule nas praças, e se derrame imensa pelos quatros cantos do território. O velho Malraux ensinou-nos o caminho - tendo-o aprendido ele ao lado dos milicinos negros, enquanto se entretinha a bombardear as igrejas da Espanha que tanto amava.
Como é que se industrializa o livro? Talqualmente o fizeram o lançamento publicitário espectacular , cem mil exemplares no sescapartes, uma distribuiçao impecável, umas dezenas de título fortes. Fabricado em massa, adquiridos em massa o Camilo pode ser vendido ao preço da chuva, o Eça da mesma maneira, e assim o Nemésio, e o Paço d'Arcos, e o Branquinho da Fonseca e o pobre do Fernando Namora. Os prelos não param. Ganham os editores, ganham os livreiros, ganham os operários, ganham os escritores que podem profisionalizar-se - e ganha o púlico que passará a poder ler, ficando sem justificação para o não fazer.À obra extraordinária de alfabetizaçao do dr Veiga de Macedo, à vinte anos, à obra maravilhosa da Fundação Gulbenkian que Branquinho da Fonseca teimosamente iniciou em Cascais, junta-se agora a vontade (e o poder) da «Verbo» e da Telesvisão. Ràpidamente e em força vamos ganhar mais esta batalha.
Como é que se industrializa a cultura, porém?Como é que se vão vender mais quadros, e mais esculturas,e mais bilhetes para o teatro e para o cinema, e mais ópera, e mais bailado, e concertos sinfónicos, e religião, e política, e tradição oral, e maneira de ser, e de viver, e de sentir?Como é que se vai distribuir impecàvelmente tudo isto, sem pararem os pincéis e os cinzéis, os músicos, os cantores e os bailarinos, os cineastas e os Igrejas Caeiros, os padres e os políticos, a história e a língua?
Criando um Ministério da Cultura que oriente, fomente, coordene, financie, superintenda, legisle a cultura portuguesa como o Malraux fez em França, como o Goebbels fez a Alemanha, como o Lunatcharski fez na Rússia.E haveremos de ter, depois, o nosso Jean- Louis-Barrault e as nossas Casas da Cultura. O nosso horrendo Speer e a nossa belíssima Riefenstahl. O nosso admirável Eisentein e o nosso entusiástico Maiakoviski.Lançaremos o cimento armado para o Céu O nosso Deus é progresso/O nosso coração é o tambor.
Tudo isto- e papel selado. Tudo isto - e o inevitável totalitarismo da burocacia. Tudo isto - e o Brave New World.Todos os meios didáticos de culturação massiva ao dispor do Ministério da Cultura. Todos os meios pedagógicos de instrução ao dispor do Ministério da Educação Nacional. O B-A=bá para um lado ; os museus, os teatros e os cinemas para outro.Uma ideia a presidir (a ideia de Nação como quereria com certeza o Goulart Nogueira), um fim a conseguir (a ditadura do proletariado, como o desejaria certamente, o dr Óscar Lopes), um caminho a seguir (o da originalidade da cultura, como o sonha Antóno Quadros).
Tudo certo. Tudo medido. Tudo revisto. Tudo calendado. Não há lugar para mais um, que a cultura é uma.
A democracia é verdadeira tentação. Mesmo quando descentralizada é para centralizar melhor, criando orgãos centrais de planeamento. Assim na política económia, assim na política cultural. O franco-atirador, o génio, o poeta, já não têm cabimento na sociedade socializante que nos suga.Mesmo os melhores, os mais livres, cultos e inteligentes (como António Quadros, por exemplo) se deixam seduzir. É o fascínio da eficiência. A miragem tecnocrática. O sonho de levarmos aos outros o que sabemos bom para nós:-o grande poema do Fernando Pessoa, o lindíssimo fresco do Almada Negreiros, a música de Joly Braga Santos.
E empastelamos tudo. Não podemos consentir o Mal, nem tolerar o Feio, nem aceitar o Pequeno. Precisamos de nos disciplinar, e ordenar, e desfilar.Trazer os ovos à nossa cultura e ao nosso saber, às nossas poltronas e ao nosso frigorífico . À nossa Suécia aséptica e sem inibições.
É uma revolução estrutural.Não é apenas já, honradamente, querer levar o Camilo até Carrazedade Anciães, terra do meu avô, perdida no planalto. É querer obrigar os povos a deixarem de ser o que são para serem o que nós somos, tão bons, tão inteligentes - e tão sabidos .É conseguir, pela facilitação dos meios culturais a unidade cultural da Nação Portuguesa -um gigantesco programa único para o gigantismo do nosso gigantesco espaço cultural.
Se não nos lançarmos na ponta da unha no arrojado empreendimento, perderemos o comboio do progresso - como diria o dr Francisquinho Balsemão- e nunca mais nos achegaremos aos franceses, e aos alemães, e aos ingleses, e aos ingleses, e aos suecos, e aos dinamarqueses.Permaneceremos durante séculos macambúziose lôrpas, estúpidamente agarrados às glórias de quinhentos, ao Vasco da Gama e ao Infante D Henrique - incapazes, como se lamenta Manuel Gama, de pôr as nossas estrelas no Céu.
Ah!Como nós precisamos de lutar para sermos tão bons como os outros.O que nós precisamos de fazer para os transformarmos de raiz - estradas e pontes, escolas e bibliotecas, museus e galerias, planeamento económico e planeamento cultural , protecção a indutria quimicae rotecção à industria da cultura. Seremos capazes?
Manuel Maria Múrias
Publicado na «Política»
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