domingo, setembro 03, 2006

Linguística

«Reductio ad Hitlerum, reductio ad Hitlerem, argumentum ad nazium...Não é uma figura de estilo, é uma técnica de debate. E por mais falaciosa que seja a sua lógica de associação (Hitler gostava de cães; tu adoras cães; logo...) o seu uso intensivo e generalizado não dá sinais de desaparecer dos hábitos sociais e políticos.A popularidade da técnica e a sua frequente utilização levaram mesmo à formulação da conhecida Lei de Godwin: "As an online discussion grows longer, the probability of a comparison involving Nazis or Hitler approaches one".Quanto mais se prolonga uma discusão, mais aumentam as probabilidades de surgir o argumento: Hitler, ou os nazis, disseram, ou fizeram... a comparação fica, a evocação do Mal Absoluto paralisa qualquer possibilidade de análise séria do que estava em discussão.Nós, e acreditamos que todos os que nos lêem, conhecemos bem o funcionamento prático da lei, muito antes da internet existir, e de Godwin a ter apresentado, em 1990.Ao que parece o primeiro a mencionar e autonomizar a categoria referida foi Leo Strauss, em 1950, no seu "Natural Right and History":"In following this movement towards its end we shall inevitably reach a point beyond which the scene is darkened by the shadow of Hitler. Unfortunately, it does not go without saying that in our examination we must avoid the fallacy that in the last decades has frequently been used as a substitute for the reductio ad absurdum: the reductio ad Hitlerum. A view is not refuted by the fact that it happens to have been shared by Hitler."Infelizmente, por mais falaciosa que seja a técnica, e por ridículas ou caricatas que sejam por vezes as situações resultantes, ela constitui uma arma terrível e exerce uma atracção irresistível, sobretudo quando todos os argumentos faltam.Podemos portanto estar certos que em qualquer troca de ideias, e sobretudo na falta delas, não deixaremos de continuar a observar o uso recorrente da falácia; o efeito instantâneo de condenação e de inibição continuará a garantir o seu sucesso. »


O Manuel Azinhal tem razão quando diz que é uma técnica de debate, tem razão quando diz que «não dá sinais de desaparecer dos hábitos sociais e políticos»,tem razão quando diz que «ela constitui uma arma terrível e exerce uma atracção irresistível», tem razão quando diz que «o efeito instantâneo de condenação e de inibição continuará a garantir o seu sucesso».

Mas já não tem razão quado diz que é uma falácia, um engano.Pode ser ou pode não ser:

Defender que prender pessoas por serem judeus é injusto, está certo.

Defender que foi injusto os alemães prenderam pessoas por serem judeus está certo.

Defender que é injusto prender judeus por serem judeus porque os nazis o fizeram é uma falacia,

mas dizer que é injusto prender judeus por serem judeus e, vejam lá, ponham-se a pau que foi o que os nazis fizeram está certo.

Se estamos a combater algo injusto usar a injustiça de actos históricos e injustos semelhantes, para mostrar a injustiça daquilo que combatemos é uma figura de retórica que tem por objetivo conseguir o«efeito instantâneo de condenação» para « garantir o seu sucesso» mas não é uma falácia.

O que se pode discutir é a semelhança ou não desses actos. Se é verdade ou não.Mas essa discussão pouca importancia tem em termos politicos, tem importancia em termos históricos.Quando a Administração Americana usa uma palavra como «fascista» para caracterizar os fundamentalitas islamicos , é porque essa palavra no imaginário popular quer dizer mau, diabólico.Discutir são fascistas ou não com alguem que está a empregar a palavra, não na seu sentido ideológico, mas o sentido que tem para amaioria das pessoas é uma actividade ociosa Como para nós «judiaria» quer dizer barbaridade, maldade , maus tratos, no plural, e não bairro judeu.Discutir se uma judiaria quer dizer bairro judeu ou maldade não leva a lado nenhum porque a palavra tem os dois sentidos.

Usar as palavras no sentido que elas têm na cabeça do comum dos cidadãos é normal na politica. Que um fascista não goste de se ver comparado ao Bin Laden é natural ,mas fascista já não quer dizer fascista, para muita gente. Quer dizer mau.Como judiaria não quer dizer bairro judeu.

Mas se é uma técnica de debate, que «não dá sinais de desaparecer dos hábitos sociais e políticos», que « constitui uma arma terrível e exerce uma atracção irresistível» e «o efeito instantâneo de condenação e de inibição continuará a garantir o seu sucesso» usá-la é prova de adaptação à realidade

A pergunta que eu faço é se estamos preocupados com a linguística ou com a realidade politica?